terça-feira, 8 de abril de 2008

LEONARDO DA VINCI

"Na galeria... catando a poesia que entornas no chão"

Uma cinqüentona de respeito. É isso que podemos dizer da Leonardo da Vinci. Fundada em 1952, a simpática livraria do centro do Rio de Janeiro é um exemplo de “cair nove vezes e levantar dez”, como diria a livreira Vanna Piraccini, ou simplesmente D. Vanna, a italiana mais brasileira da cidade.

O provérbio, japonês, é certamente um belo sinônimo para a conturbada – e ao mesmo tempo, fantástica – história da Leonardo da Vinci.

Nascida em Bologna, na Itália, D. Vanna veio para o Brasil em 1952, acompanhando seu marido, o advogado Andrei Duchiade, e no mesmo ano abriria as portas da Leonardo da Vinci.

Inaugurada primeiramente no 18 º andar do edifício Delamare, na Avenida Presidente Vargas, a livraria mudou-se para a avenida Rio Branco, em 1956, endereço que ocupa até hoje, e cresceu, tornando-se ponto de encontro de intelectuais, professores e estudantes.

E agora, quase 56 anos depois de sua inauguração, conhecemos a Da Vinci (permitam-nos uma certa intimidade) com uma maior atenção.

Escondidinha no subsolo da sombria galeria Marquês do Herval, a livraria acaba se revelando um oásis.

Um adendo: o subsolo da galeria é composto pela Da Vinci (enorme), o simpático sebo Berinjela, o lindo Café Gioconda e alguns outros estabelecimentos um pouco menos charmosos (com todo o respeito).
Fomos recebidos por Milena Duchiade, filha de D. Vanna. É ela quem, desde 1997, ajuda a mãe no comando da livraria.

No dia da nossa visita, D. Vanna estava em Paris, acompanhando a Feira do Livro local.

Milena é médica, mas parece ter sido “contaminada” pelo vírus das letras. Afinal, sua mãe é formada em Belas Artes e seu pai era advogado.

Além de representar a Leonardo Da Vinci, Milena também preside, atualmente, a AEL - Associação Estadual de Livrarias do Rio de Janeiro (ver Nomes & Links). Graças a este trabalho, criou, em dezembro de 2006, um mapa de livrarias do centro chamado “Roteiro das Livrarias do Centro Histórico do Rio de Janeiro”. Sobre o mapa, Milena fez uma observação importante: menos de um ano e meio após sua divulgação, algumas livrarias citadas já não estão mais em funcionamento, como a Ciências e Cultura, que ficava na Rua Sete de Setembro. Triste exemplo do mercado de livros brasileiro.

Aproveitamos o gancho, quisemos saber como uma livraria consegue se manter por mais de 50 anos, com o panorama literário atual (que Milena chama de “iogurtização” – livros com prazo de validade. Esse assunto rende e vai ser retomado mais adiante. Ver Expressões) e tendo passado por tantos percalços (que ainda nem contamos!).

A resposta foi simples: “A Leonardo da Vinci é uma empresa familiar, não um supermercado”, disse Milena. E lembrou que sua livraria não é procurada por acaso. Afinal, não custa lembrar: ela fica escondida em um subsolo de galeria.

Muitos chegam a Da Vinci, segundo Milena, por não encontrarem os livros que desejam nas livrarias comuns (aquelas que privilegiam Best Sellers).

Sustos

Como já dissemos nos parágrafos anteriores, nem tudo foram flores na história da livraria. Em 1965, Andrei faleceu repentinamente, deixando a empresa em concordata, após uma mal sucedida experiência no mercado editorial de livros infantis.
Em dezembro de 1973, um incêndio que começou na loja em frente, “atravessou a rua” e atingiu a Da Vinci. Uma história um tanto insólita, em uma época da história do Brasil também um tanto insólita. Mas D. Vanna não desistiu (lembra do provérbio “cair nove vezes, levantar dez”?). Reergueu a livraria.

O fator Carlos Drummond de Andrade

O escritor foi importantíssimo no processo de reabertura da Leonardo da Vinci. Escreveu uma crônica após o fatídico incêndio, conclamando os clientes a quitarem suas dívidas, antecipando os pagamentos “parcelados” (naquela época não havia essa onda de parcelamente-no-cartão-de-crédito, e os pedidos eram anotados em livros... Que se perderam no incêndio). O efeito foi extremamente positivo.
Na crônica, Drummond relata com carinho sua relação com a livraria. Um dos trechos diz:
"Aquela livraria (...) preferiu se esconder no subsolo, e só quem descesse a rampa em espiral poderia descobri-la no fundo da galeria com algo de mistério. Não provocava; gratificava. Era um prêmio".

Os novos tempos

Dando um grande salto, chegamos a 1998. Este ano marca a estréia do site da Leonardo da Vinci. Site e loja virtual. Um projeto audacioso, porque o serviço de vendas online é internacional.
Além da nova forma de comprar, Milena lembrou que os clientes sempre puderam comprar também por telefone: a livraria entrega “para qualquer lugar que tenha correios”, disse a livreira.

Mas e os cliente antigos, mais tradicionalistas, o que acharam da livraria virtual? “Muitos ignoraram, porque nunca usaram e nunca usarão a internet”, afirmou Milena, porém, lembrando que muitos descobriram a Leonardo da Vinci pelo site. Um fenômeno interessante: a internet levando pessoas para o mundo real.
A página virtual também agradou aos “cariocas exilados” (mais uma expressão da Milena”), ou seja: aqueles que trabalham em outros estados ou países, e através do site, “resgatam o vínculo com a livraria”. Só não poderão sentir o cheirinho dos livros ao vivo, nem tomar o cafezinho que repousa sobre o cantinho de uma mesa, e muito menos curtir a trilha sonora - sempre instrumental, como frisou Milena – a base de Música Clássica, Chorinho e Bossa Nova (outra cinqüentona de respeito, diga-se de passagem).

Personagens

Além de D. Vanna e Milena, a Leonardo da Vinci tem outras personagens fundamentais: os clientes. Carlos Drummond de Andrade será sempre lembrado. Além da crônica após o incêndio de 1973, o mineiro também escreveu um lindo poema para a livraria. Antônio Cícero e Marcelo Catunda também escreveram seus textos.
Estão todos lá, nas portas de entrada da Leonardo da Vinci. Fernando Gabeira e Emmanuel Carneiro Leão também clientes. E ainda existem aqueles fiéis (mais do que compradores, amigos) desde os anos 50.

A Livraria

Supomos que o leitor que chegou até aqui ficou com uma imensa vontade de conhecer (ou revisitar) a Leonardo Da Vinci.
OK, a gente ajuda.

Livraria Leonardo da Vinci
Av. Rio Branco, 185 – Subsolo (Edifício Marquês do Herval) conta com cerca de 80 mil títulos nacionais e importados. Possui O Baú da Leonardo – um espaço com títulos mais baratos. Vende também oratórios e objetos de decoração, feitos por Florin Piraccini Duchiade, também filho de D. Vanna. Sedia o projeto “Encontros no Subsolo”. Você pode conferir a programação clicando Aqui.

A livraria comemorou 50 anos em 2002, com o lançamento do livro 5 décadas em questão, organizado Severino Cabral - Editora Mauad. R$ 38,00 - 152 páginas.

Sinopse: “(...) resolvemos reunir aqueles que são a razão de ser da Livraria – os autores, que escrevem os livros – e aqueles que tornam possível sua sobrevivência – os leitores, nossos clientes – num Ciclo de Debates. Um Ciclo que discutisse as cinco décadas que atravessamos juntos, nós, da Leonardo da Vinci, autores leitores e o Brasil. Décadas de transformações, de crises, mas também de vitórias e esperanças.”
(Milena Duchiade)
Expressões

Durante nosso “encontro-visita-entrevista”, Milena usou diversas expressões e frases interessantíssimas. Anotamos. Dão pano p’ra manga.

“CARIOCAS EXILADOS” – Essa já apareceu. São aqueles que, por questões profissionais, foram obrigados a viver fora do Rio de Janeiro. A livraria virtual costuma agradá-los bastante.

“IOGURTIZAÇÃO DO LIVRO” – Também já foi citada. É o livro com data de validade – curta. Uma metáfora interessante. Milena reclamou bastante dos rumos do mercado editorial brasileiro. O problema dos livros que se esgotam e não são reeditados e a predileção pelos Best- Sellers (esses sim, com tiragens consideradas gigantes). O bom título se tornou um artigo perecível.

“TODO CLIENTE É UM SER CARENTE” – A brincadeira foi para lembrar que um cliente, mais do que a compra, deseja mesmo um bom papo. Muitos entram na Da Vinci, segundo Milena, apenas para conversar. E acabam se tornando habitués da livraria. A frase foi usada para lembrar o problema das “livrarias-supermercado” (Milena não quis citar nomes para não parecer antiética, mas todos nós percebemos que tipo de livrarias são essas – as “mega”): aquelas em que o cliente, perdido, não sabe para que vendedor recorrer – porque cada área tem um vendedor específico, e aquele que trabalha no setor de CDs e DVDs não atenderá o cliente que procura um livro, simplesmente por que não é sua sessão e o atendimento não se converterá em comissão.

“LIVRARIAS-SUPERMERCADO” – Acreditamos que a expressão já ficou bem entendida no tópico anterior. Mas, apenas para reforçar: Milena quis deixar claro que sua livraria “é uma empresa familiar”, fugindo do conceito de “supermercado”.

Nomes & Links
Leonardo da Vinci – http://www.leonardodavinci.com.br/
AEL - Associação Estadual de Livrarias do Rio de Janeiro Av. Rio Branco, 185 – Conj. 214 CEP: 20045-900 – Rio de Janeiro - RJ Telefone: (21) 2533-2237 Fax.: (21) 2220-8182 E-mail: aelrj@yahoo.com.br

Ah! Antes que a gente se esqueça: o título do post é um trecho de “As Vitrines”, de Chico Buarque...

Cafezinho e balinhas... Tradição da Leonardo da Vinci

Baú da Leonardo: um espaço para a arte e para livros mais baratos


Milena Duchiade em seu habitat, a Leonardo da Vinci

Autores: Mariana Carnevale (Mariana do Blog) e Francisca Barbosa.

*clique nas fotos para ampliar.

8 comentários:

Anônimo disse...

Relendo o texto pela eneésima vez, encontrei uns errinhos básicos... Coisa pouca, nada que comprometa a reputação do grupo... Hahahahaha...

Vou dar uma olhadinha em quais são, para corrigi-los.

Beijos a todos!

PC Guimarães disse...

Tô acompanhando. E tô gostando.

Anônimo disse...

Muito legal, gente!

Cuidado com a ortografia!
A livraria SEDIA (de SEDE) o evento ENCONTROS NO SUBSOLO, e não "sedia", ok?

Anônimo disse...

E eu que não consegui escrever o erro?

O correto, como eu disse, é SEDIA e não CEDIA.

Anônimo disse...

Opa, valeu a dica... erro que passou despercebido!
Obrigada!!

denise bottmann disse...

linda matéria!
vocês autorizariam reproduzir a foto da entrada do baú do leonardo em http://assinado-tradutores.blogspot.com?

Anônimo disse...

Ironia do destino... Se é que podemos dizer isso. Mais uma vez, a Leonardo da Vinci foi protagonista de um lance, no mínimo, bizarro: um vazamento de esgoto, em 09/06/2010. Felizmente, a livraria já está reaberta, mas o prejuízo foi grande. O mesmo aconteceu na vizinha Berinjela, simpático sebo de livros e música. A gente fica torcendo para que a Cedae não deixe mais uma cagada -literalmente - dessas acontecer!

Marcia Caetano disse...

Matéria maravilhosa, só a li agora. Reproduzi trechos dela e duas fotos em um post sobre a livraria no meu blog Na Linha, ok? Coloquei o link para a matéria, espero que esteja tudo bem. Está aqui: http://marciacl.typepad.com/na_linha/2012/07/minhas-livrarias-favoritas-i-leonardo-da-vinci.html
Qualquer problema, por favor, avisem.

Abs,

Marcia.
ps: teria como assinar os seus posts por e-mail?