terça-feira, 20 de maio de 2008

Artigo sobre a livraria City Lights, em São Francisco, Califórnia


Lawrence Ferlingetti fundou e dirige a Livraria (e também editorial) City Lights de S. Francisco, Califórnia, de onde a ""Beat generation" irradiou na segunda metade do século XX nomes como Jack Kerouac, Allen Ginsberg etc...




Lawrence é de 1919 (Yonkers, Estado de Nova York), filho de uma francesa, Clemence Albertine Mendes-Monsanto - e veio ao mundo pouco depois da morte de seu pai, o italiano e anarquista Carlo Ferlinghetti. Com menos de dois meses, o menino foi levado para a França, onde morou com uma tia até os seis anos.




De volta aos EUA, estudou na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, e serviu na marinha norte-americana durante a Segunda Guerra ("mas já era pacifista, a ponto de não disparar um tiro"). O poeta terminou seu mestrado pela Universidade de Columbia, em 1947. Completado em 1950, o doutorado é feito na Universidade de Paris (Sorbonne). De 1951 a 1953, quando se fixou em São Francisco, Ferlinghetti passa a pintar e torna-se crítico de arte. Em 1953, abre com Peter D. Martin a Livraria City Lights, que em 1955 passa também a publicar livros, com o nome de Editora City Lights.


Durante mais de meio século, a City Lights serviu como ponto de encontro de intelectuais, escritores e artistas. A Editora começou com a publicação de uma série de poetas sob formato de livros de bolso, com a qual Ferlinghetti criaria um fermento de dissidência de nível internacional. Em 1957, o lançamento de Howl, do poeta Allen Gisberg, causou polêmica. Apreendido sob acusação de obra obscena, o livro acabou liberado e vendeu num só dia 360 mil exemplares, além de atrair a atenção para São Francisco e para o renascer do movimento dos escritores da geração beat.




O chileno Neruda, o russo Ievtuchenko, o italiano Pasolini, o inglês Malcolm Lowry: são muitos e célebres os poetas editados pela City Light. Inclusive, os poemas do próprio Ferlinghett, reunidos em ‘’A Coney Island of the Mind’’, carro-chefe da editora e até hoje o livro de poemas mais popular na América, editado em nove línguas, com mais de dois milhões de exempares vendidos. Há uma tradução brasileira de ótima fatura, feita por Eduardo Bueno e pelo poeta Leonardo Froés, "Um Parque de Diversões na Cabeça" (L&PM, 1984).


A Far Rockaway of the Heart é seu mais recente livro de poemas. Só para nos situarmos: Coney Island é um parque de diversões nas cercanias de Nova York. Far Rockway, no Estado de Nova York, é uma localidade onde existe um também famoso parque de diversões. Em 1980, o hoje historiador brasileiro Eduardo Bueno esteve com o poeta em São Francisco: "De jeans, camisa de flanela xadrez de lenhador canadense, botas rústicas, ali estava ele, Ferlinghetti - sorridente ao lado de três garotas lindas, olhar safado beatífico, rosto queimado pelo sol, barba grisalha.


Sabedoria e vigor aos 60 anos. Apesar da origem italiana, mais parecia um irlandês ativo e empreendedor - daqueles que bebe uísque no gargalo e aparece trabalhando na construção das estradas de ferro em filmes classe B sobre o Oeste selvagem". Mas, na verdade, não era bem assim: estava ali também, à frente de Bueno, um poeta de extração supersofisticada, na linhagem de Appolinaire, e e. cummings, Ezra Pound, T.S. Eliot e William Carlos Williams. Ferlinghetti tem o poder de transformar em poesia os objetos mais banais, as coisas corriqueiras do cotidiano.


São poemas coloquiais, os seus, carregadospor profundo poder de empatia e comunicação. Poesia altamente cantábile - e não é à toa que o octogenário poeta circula ainda hoje pelo mundo lendo seus poemas para um público cada vez mais numeroso. "O bardo da geração beat, o cronista mais extremo e corrosivo de nossos tempos, o sarcástico ´cabaretista trágico´, diz o texto da contracapa desta edição italiana. Que complementa: "Se A ConeyIsland of the Mind contribuiu em 1958 para abrir os olhos de toda uma geração e para construir uma aura política, A Far Rockway of the Heart surge como um vibrante e novo apelo ético à tomada de consciência da geração que transita passivamente pelo novo século".





Não têm títulos os poemas de A Far Rockway of the Heart, apenas numerados em seqüência. Não querendo absolutamente concorrer com meu poetamigo e excelente tradutor Leornardo Fróes, passo às pressas para a língua pátria um exemplo da poética de fina estampa de Lawrence Ferlinghetti, exatamente o primeiro poema do livro:


Tudo muda e nada muda.
Séculos findam
e tudo continua
como se nada findasse.
Como nuvens estáticas a meio-vôo
Como dirigíveis presos contra o vento.
E a urbana febre das feras do cotidiano
ainda domina as ruas. Mas ouço cantarem
ainda agora as vozes dos poetas
mescladas ao grito das prostitutas
na velha Manhatan (*)
ou na Paris de Baudelaire,
chamados de pássaros ecoam
nas ruelas da história
renomeados.
E agora são os Novecentos
e a Bolsa quebrou de novo.
E meu pai vagabundeia aqui perto com toda a sua coragem
os olhos na calçada
uma única lira italiana
e um penny com a figura da cabeça de
um indiano
no bolso
Traficantes de bebidas e carros fúnebres passam
em câmera lenta.
Enquanto ternos novos correm para o trabalho
em arranha-céus que oscilam.
Por: Leonardo Maior, Leonardo Santos e Pedro Bereicoa.

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